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Legados (Imagem da Marca) - 2008





Resumo>



Série de colagens nas quais a imagem em alto contraste de rostos de pessoas que tenham contribuído para alguma modificação no percurso histórico humano, a âmbito mundial ou estatal, é sobreposta à símbolos que representam objetos de sua autoria, ou que essencialmente resumem seu legado. Ao vincular diretamente o autor à própria criação, a série delimita disparidades de alcance e reconhecimento entre o feito e o sujeito, e identifica as imagens que estão à frente e por detrás da marca de um nome, seja um nome pessoal, comercial, ou ambos. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



















 

 

Memorial descritivo completo>​



Legado, do latim “legatu”, significa, ao mesmo tempo, uma “dádiva deixada em testamento”, assim como “embaixador”, ou “enviado”. Nomeia, portanto, substantivo e sujeito. Mescla ambos. Entretanto, seria precipitado dizer que a imagem de um necessariamente se associa ao outro. Embora seja evidente que o legado de alguém invariavelmente depende da sua prévia existência, é possível que a dádiva deixada ofusque sua própria imagem, roubando a cena no espetáculo da existência. Do mesmo modo, desconcertaria, inclusive, o improvável, o fato de que não apenas o legado de alguém pode ser constituído sem que esse mesmo alguém tenha movido uma palha pela causa. Ou pior, possa ter, inclusive, lutado veemente contra ela.



A série Legados mescla, mais uma vez, substantivo e sujeito, confrontando-os através da sobreposição por colagem. O papel cartão preto delimita a imagem pelos seus vazados, cortados no formato do rosto da pessoa em alto contraste e colocados sobrepostos à simbologia do que pode ser representado como seu legado. O vazado, portanto, é preenchido com o símbolo, mas o símbolo necessita da forma delimitadora para destacar-se, complementar-se.
 

O efeito final é capaz de enganar a primeira vista. Pode-se pensar que, na verdade, um papel branco impresso foi colado sobre o preto, ou que a imagem inteira foi impressa como já está, seja por meios digitais ou por serigrafia. No entanto, ao se observar a obra atentamente, nota-se o vão entre corte e imagem. A contra-forma do personagem que dá vida a forma do seu legado. E seu legado a enfatizar o desenho da sua existência, como um carimbo, uma tatuagem seriada. A linha tênue entre personagem e símbolo é representada apenas pelos milímetros de papel que separam um ao outro, ao mesmo tempo em que os interligam.

 

 

Alguns trabalhos ilustram sinteticamente a proposta da série>



O rosto de John Pemberton passaria despercebido para muitos, mas a fórmula criada por ele movimenta a marca mais conhecida e vendida do mundo. Trata-se da Coca-cola. O contraste entre o ilustre-desconhecido e a garrafa do produto (marca registrada da companhia, que revolucionou o mercado em 1915, ao trazer um design ergonômico e sedutor numa época em que todas as garrafas de refrigerantes eram rigorosamente iguais. Pensada, inclusive, para ser reconhecida no escuro), é materializado pela colagem e demonstra a dimensão que o legado de alguém pode adquirir sem que se saiba, ao menos, o nome da pessoa.


É notável, inclusive, que mesmo quando se procura a história da marca, e acaba-se conhecendo o seu criador, a lacuna do nome não é facilmente preenchida. O rosto é assimilado com a mesma facilidade com a qual nos habituamos a encarar a enxurrada de imagens que nos são despejadas no dia-a-dia. Mas, justamente ao inverso do nome Coca-Cola, criado pelo próprio John já com aquela grafia característica usada até hoje, o nome do farmacêutico é difícil, pouco alardeado e desinteressante. A sua notável criação, assim como o seu notável tino comercial são inversamente proporcionais ao seu marketing pessoal.

Variantes são facilmente observadas. No caso de Thomas Edson, fácil é a associação entre nome e o objeto. O difícil é associar o nome, ou o objeto, ao rosto da figura histórica. Na contramão dessas vertentes, há a revolução de Ernesto Guevara, que mesmo sendo considerado pela revista Time uma das cem personalidades mais famosas do século, e possivelmente o mais famoso revolucionário comunista da história, é difícil saber se maior revolução fez em Cuba, ou na moda mundial. Camisas com o rosto de Che aquecem parte da indústria da moda e, por conseqüência, a máquina capitalista a qual ele se opôs. Vendidas, inclusive, em países nos quais as pessoas que as compram não fazem a mínima ideia de quem seja, sua imagem se tornou a segunda mais difundida da era contemporânea, atrás, apenas, de Jesus Cristo. Legado ardiloso que passa a perna no próprio ser que o deu origem. Acompanha a imagem, mas não é companheiro.


Entretanto, se, por um lado, tal paradoxo se opõe ao ideal da figura histórica, por outro, serve bem para sua glorificação messiânica, impulsionando seu mito revolucionário, ao ponto de ser considerado santo em alguns países da América Latina. Mesmo que, longe de ser um humanista, Che tenha aprovado pessoalmente centenas de execuções sumárias pelo tribunal revolucionário de Havana. Se, por um lado, a imagem do “santo” Che só perde para a do próprio Cristo, por outro, deve-se reconhecer que, ao menos, a imagem de Che pertence ao próprio Che, ao passo que, mesmo sendo inegável a existência da figura histórica Jesus, é senso comum que a imagem idealizada do salvador, que entrou para a história, nada tem a ver com o próprio.

Na própria bíblia  é dito que Judas teve que indicar aos soldados qual seria Jesus, dentre os crucifixados  já que eles não conseguiam discerni-lo dos demais. Ora, se ele fosse um caucasiano, como é costuma ser representado, seria simples separá-lo dos demais tipos que habitavam a região, na época. A transição entre o carpinteiro Jesus de Nazaré e a celebridade Jesus Cristo marca, também, o primeiro grande photoshop da história.


Silvio Santos, por sua vez, ou melhor, Senor Abravanel, engloba questões discutidas com os personagens anteriores, ao mesmo tempo em que oferece algo mais. O rosto de Silvio não é conhecido mundialmente, como o de Che, ou a imagem de Jesus. Entretanto, Silvio passa longe de ser sobreposto pelo seu legado apresentado. Na verdade, ao fim, fica a pergunta, qual o real legado de Silvio? Contrastado no papel com o símbolo do SBT, sua rede de televisão, parece pouco para o folclore do apresentador-lenda do país, no entanto nem mesmo do próprio Silvio é possível dissociar a imagem de Senor Abravanel, o grande empresário. É o ápice do confronto do sujeito e substantivo, ou objeto. A imagem do Silvio que se mantém por si só como o apresentador, o apresentador que remete ao empresário, e o emprendimento que reúne os dois novamente. Ainda que, por tudo que foi dito, pareçam, a priori, se complementar, há uma tensão entre a multiplicidade. Legado que é personagem e é cidadão, todos os dois na mesma pele. E o símbolo é quase pouco.


Há uma tendência, para muitos, em reivindicar a imprescindibilidade de um legado a fim de dar valor ao personagem por detrás dele. A série, no entanto, caminha sem restrições com relação ao valor dos legados de cada personagem. Não há o ideal, nesse caso, de criar uma sala de grandes nomes, homenageando-os de forma exaltante e, embora seja possível que algumas das obras passem tal conotação, variáveis devem ser observadas. Um exemplo simples seria o de Henry Ford. É inegável que o Ford T revolucionou os transportes e a indústria. Mas é bastante discutível até que ponto o que ele trouxe melhorou a vida em geral, sendo ele criticado desde por aqueles que se colocam contra a linha de montagem e seus efeitos sobre os trabalhadores até por aqueles que criticam a massiva presença de veículos automotivos na vida atual.

O objetivo da série, portanto, é confrontar, re-mesclar, criatura e criador. Desde Walt Disney, passando por ilustres desconhecidos que revolucionaram a cultura pop mundial, como Momofuku Ando, criador do famoso miojo, ou David Bradley, criador do salvador código Crlt+Alt+Del e Gregor Mendel, pai da genética moderna, até chegar a figuras tarimbadas, como Santos Dummond, Bill Gates e, porque não, Sérgio Mallandro, cujo legado pode muito bem ser resumido pelo seu eterno boné de lado, não deixando, no entanto, de ser a mais pura e sincera representação da imagem da sua marca na cultura popular brasileira.





Adquira uma colagem da série:





 

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