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Desenhos de Pé de Ouvido - 2010





Resumo>

Trabalhos interativos que dissociam a ideia figurativa, geralmente atribuída ao desenho, para trabalhá-lo através de estímulos sonoros e da linguagem escrita. Os objetos, na forma de molduras, possuem dispositivos sonoros, encobertos por folhas de papel que não contêm imagens. Quando acionados, os equipamentos emitem sons, que aparentam provir da própria folha. A partir de tais sons e das as especificações de técnicas gráficas presentes nos títulos de cada trabalho, o visitante pode tecer conjecturas diversas, imaginando desenhos que com eles se relacionem. Cada objeto possui um som e um tipo de papel diferente.





 

 

Instruções para uso dos objetos que são adesivadas ao lado deles:

Obras:

Desenhos de Pé de Ouvido: 

Desenho a lápis duro sobre papel velho 

 

Dimensão: 25 x 25 cm

Papel envelhecido sobre equipamento que reproduz som por 10s. 



Para ouvir o som relativo a esse desenho, clique no ícone abaixo: 

Desenhos de Pé de Ouvido: 

Desenho a carvão sobre papel craft 

 

Dimensão: 25 x 25 cm

Papel envelhecido sobre equipamento que reproduz som por 10s. 



Para ouvir o som relativo a esse desenho, clique no ícone abaixo: 

Desenhos de Pé de Ouvido: 

Desenho manuscrito em esferográfica sobre papel pautado

 

Dimensão: 25 x 25 cm

Papel envelhecido sobre equipamento que reproduz som por 10s. 



Para ouvir o som relativo a esse desenho, clique no ícone abaixo: 

Desenhos de Pé de Ouvido: 

Desenho a aquarela sobre papel branco texturizado 

 

Dimensão: 25 x 25 cm

Papel envelhecido sobre equipamento que reproduz som por 10s. 



Para ouvir o som relativo a esse desenho, clique no ícone abaixo: 

Desenhos de Pé de Ouvido: 

Desenho a giz sobre papel cartão preto 

 

Dimensão: 25 x 25 cm

Papel envelhecido sobre equipamento que reproduz som por 10s. 



Para ouvir o som relativo a esse desenho, clique no ícone abaixo: 

Memorial descritivo completo>

 



O projeto Desenhos de Pé de Ouvido iniciou-se derivado do objetivo de retirar a carga visual do desenho, substituindo-a por algum outro estimulo que fosse catalisador da formação de uma imagem mental em cada individuo com o qual entrasse em contato. Para as primeiras pesquisas, o estímulo sonoro foi escolhido, para o qual foi desenvolvido um método de apresentação, no qual se conformasse, no objeto final, o equipamento que reproduziria o som a uma construção formal que indiciasse tratar de uma obra de desenho. Este método consiste em cinco pequenas molduras quadradas nas quais há, dentro de cada uma, um papel diferente, também quadrado. Ao lado de cada um desses papeis, há uma pequena aba, a qual o espectador pode pressionar. Acionando-a, é emitido um som por dez segundos que aparenta provir do próprio papel.


Através da ativação desse som, o espectador tem a possibilidade de configurar seu próprio desenho imaginário para o suporte presente na moldura. Além do som, nos créditos que acompanham o trabalho há a descrição escrita de uma técnica de desenho que pode se relacionar, em graus variados, ao barulho e ao tipo de papel presente em cada moldura, de modo a fornecer mais um indicativo potencial para a criação da imagem psíquica.


Uma das molduras possui, por exemplo, um papel negro, brilhante, com algumas marcas de dobra, em que suas extremidades evidenciam o rasgo do corte, revelando uma cor parda nas bordas que contrasta ao negrume do papel. Nos créditos, está escrito “Desenho a giz sobre papel cartão preto”. Ao acionar o gatilho, o som que toca é o rangido de uma porta se abrindo. O espectador que interage com este trabalho terá a possibilidade de formar inúmeras imagens mentais a partir do som e poderá, também, enxergar variadas relações entre o suporte através do qual ele se apresenta e a técnica descrita. Uma relação evidente seria que o contraponto entre o papel escuro e suas bordas claras, bem como a indicação do desenho a giz, que hipoteticamente comporia um traço também claro sobre o papel negro, podem atuar como uma referência às frestas de claridade que adentram pelas molduras de portas fechadas.  Em cada um dos cinco quadros, há a descrição de uma técnica diferente que pode ser relacionada ao som emitido.



As nomenclaturas das obras denotam que há, nesses trabalhos, seguindo preceitos conceituas de se extirpar a imagem em prol do verbo, a necessidade de trabalhar as possibilidades assimilativas de uso da palavra como subsídio para a construção da imagem. É notável, inclusive, que os próprios termos imagem e imaginar, que é o ato de criar uma representação mental, possuem raiz em comum, da qual também deriva imitar. Imagem, etimologicamente, seria a imitação de um objeto, tanto no âmbito sensível quanto naquele que é intangível. Deste modo, a reprodução de um som é, por si própria, a configuração de uma imagem. Não por acaso, no meio videográfico é costumeiramente empregada a expressão “desenho de som”.


Na semântica estrutural, o lingüista Ferdinand de Saussure introduz o conceito do signo como uma composição entre ideia e imagem acústica. Ele afirma que, dentro da língua, há o plano conceitual e o plano dos sons, ou fonemas. Quando ambos são unidos, há uma forma de materialização das ideias, articulada através da organização sonora, pelo que compõe-se a linguagem falada. Saussure também busca introduzir um modo de diferenciação com o qual se pode estabelecer o valor individual de um signo em razão do que ele referencia. A idria do lingüista passa pelo principio da exclusão. Tudo o que um determinado signo não pode referenciar determina a sua unicidade com relação ao que efetivamente ele se atrela. A palavra “manga” por exemplo, pode ser relativa a uma parte da vestimenta, uma fruta e mais alguns parcos objetos, exclusivamente. Manga não pode ser referência a objetos externos ao conjunto daqueles que são denominados por “manga”, de acordo com os padrões estabelecidos na linguagem do português.


Essa ideia em particular encontra conexão ao modo como os “Desenhos de Pé de Ouvido” são dispostos ao publico. Ao entrar em contato com um som especifico, o ouvinte pode ser induzido a discernir situações as quais se aplica aquela imagem sonora, delimitando subjetivamente um enquadro para o desenho, ao excluir possibilidades que não condizem aos ruídos. 


Ainda a fim de definir a especificidade de um signo, Saussure coloca que, além do método de exclusão, há o método de troca, que é o que ocorre nos dicionários. Uma palavra pode ser definida pela conjunção de outras palavras. Nesse trabalho sonoro, a pergunta é se a imagem acústica que ele fornece, mesmo que, no caso, não seja a sonoridade de palavra reconhecida linguisticamente, pode ser trocada pela visualização mental de um desenho. Ao intitular como desenho o som que sai de um suporte próprio ao desenho, será possível que signo e imagem acústica possam se ajuntar numa terceira imagem, criada pelo espectador para preencher visualmente a ausência de figuras daquele suporte?


Os sons que os quadros possuem, por sua vez, são sons cotidianos e simples, geralmente de fácil identificação, guardando relação direta com a ideia do estereótipo. No entanto, por serem executados descontextualizados, podem se mostrar de difícil reconhecimento para algumas pessoas. O que incentiva a criação de elucubrações distintas a respeito do que efetivamente se tratam. Elucubrações adversas, mas todas cabíveis nas molduras através das quais a obra é apresentada, já que o vazio de imagens convida ao preenchimento, deixando a mente livre para tais imagens possam assumir qualquer configuração formal, podendo tornar-se das mais abstratas às laboriosamente figurativas. Isto porque, a
o trabalhar com axiomas básicos associados ao modo de apresentação de desenho, ou seja, quadros em parede, mas que, ao mesmo tempo, subvertem esse modo de apresentação ao não trazerem imagens visuais e sim sons, é produzida uma interseção bem articulada entre o método já cristalizado, inclusive estereotipado, de exposição relacionada à categoria e uma abordagem diferenciada para a sua construção, que escande seus horizontes sensórios, sem que se perca sua base fundamental, a qual só muda de localização. Ao invés de estar na própria moldura, está nas possibilidades que a mente pode prover para aquela moldura. 



Em uma ironia latente, a fim de explicar ao visitante o modo de uso dos desenhos sonoros, é colocado, na parede, ao lado dos trabalhos, um adesivo com instruções de utilização, as quais são compostas por desenhos explicativos bastante objetivos. Uma contraposição entre a ausência da presença do desenho do modo convencional num trabalho chamado de desenho e a necessidade de demonstrar como aquele objeto funciona de modo preciso e claro ao observador. Essa ironia incorpora, de maneira precisa, a noção esquemática já bastante atrelada à categoria do desenho para, através dela, permitir a abertura a uma nova linguagem passível de ser denominada desenho porquanto permanecer em um contexto que a permita essa interpretação. Uma porta de entrada para uma maior subjetivação e para um apagamento, tanto visual, quanto das noções usualmente estabelecidas a que o desenho é normalmente relacionado.



Desenhos de Pé de Ouvido é apenas o primeiro resultado de um leque de pesquisas iniciadas com o mesmo intuito de dissociar ou complementar a carga visual do desenho, em projetos que sejam especialmente interativos. Junto a ele, outras propostas, ainda em desenvolvimento, também buscam incorporar outras sensibilidades e modos de apresentação. Há, no momento, pesquisas táteis que incorporem fios elétricos com correntes elétricas de baixa voltagem, de modo a possibilitar, ao espectador, sentir vibrações quando tocados, bem como pesquisas de gravuras em pó de grafite que possibilitem seu apagamento por borracha e propostas de trabalho com desenhos na forma de marcas d’água em lentes de óculos, possíveis de serem vistos apenas através do embaçar do material.

 

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